terça-feira, março 20, 2007


Adeus, Trotsky!

Foi suicídio felino ou acidente nas alturas, a gente vê amanhã como sairá nos jornais. Tava iminente, o bichinho, mesmo novo; já tinha gastado umas cinco das sete vidas. Gato em teto de zinco quente, o bichano passeava no nosso teto possível, gostando de viver perigosamente...
Quando chegou aqui de mansinho o meu rebento, seu moço, não se aproximava muito de janelas: transmitiu o trauma silencioso nas unhadas que cravava em cada pescocinho que o atentasse. Mas no fim era íntimo delas, confidente das alturas, equilibrista preciso na bordinha do canteiro, de apartamento a outro, como nascido no circo dos gatos - que deve ser aquele de pulgas, né?
Gatos são amigos da “Indesejada das gentes” (vide Consoada, Manuel Bandeira) e por isso granjearam mais de uma chance. Não foi uma conquista grátis, mas não deixa de ter sido na maciota, posto que eles são sempre eles mesmos, senhores de si, sem fingimento algum. A Indesejada se encanta com os seres que não a temem, e concede a eles o que pouco lhes preocupa.
Era um contador de histórias, esse bichano, mas era principalmente um conquistador. Ludibriou todas as fêmeas que um dia pousaram a mão nas suas costas, miando-lhes baixinho histórias de vira-latas boêmios, gatos sem dono, sem filé e sem almofada, sem amanhã, sem jantar, manhãs de atum amargo, sem uma gatinha tão linda a acarinhar-lhes a barriga...
Umas duas vidinhas, tenho certeza, fui eu, deveras distraída, sentando em cima de um volume fofo e disperso nas cobertas. Ele tinha essa mania, não sei se por enorme preguiça ou porque achava muito gostosinho, de ficar inerte quando coberto de repente por um lençol. Permanecia até que alguém viesse perturbá-lo. Podia estar fazendo o calor dos diabos, ele não se mexia e dormia tranqüilo, tranqüilo.
Finalmente, era um lorde. O conde da corte felina de todos os tempos, inseparável de seus princípios - como havia de ser, em nome do que lhe deu o nome -, senhor das rações de prateleira melhor, dos whiskas sabor salmão com molho de anchovas, de filé ao molho madeira & funghi, frango à poivre, do leitinho gelado sempre, senão não tomava, das incontáveis recusas quando, como num agrado, surpreendiamo-no com uma tigela de refeição menor - atum fresco, pastinha ordinária de sobremesa de gato - nada, nada queria, nada aceitava: era um aristogato.

Uma vez escrevi sobre esse bichinho, então recém-chegado das ruas para minha casa. Foi em 2004 e saiu no jornal do grêmio do colégio!

Teoria da Teoria

É irritante como as situações da vida fazem a gente entrar em contradição, e aconteceu-me há poucos dias: logo eu, que nem de longe algum dia fui muito chegada a gatos, ao me deparar com um bichano desses sem-teto, imundo, verminoso e carente, imediatamente declarei a ele meu amor infinito. Fiquei pensando nisso, e consegui elaborar rapidamente alguns protótipos de minha mais nova teoria. Atenção para as proposições seguintes:
1. essas situações que eu chamei de contradições, nada são senão uma construção em cima de uma idéia negativa que adquirimos de alguém, de certas situações da vida ou mesmo de um trauma de infância – e comigo pode ter sido assim: na fazenda, minha avó sempre teve uma penca de gatinhas que, quando davam cria, um espírito “Felícia” baixava em mim e unia-se ao meu lado já perverso de criança: eu pegava os filhotinhos, ainda crus em instinto e os apertava, jogava pra cima, dava banho... não demorava até que se tornassem tão ariscos a ponto de nunca mais se aproximarem de mim;
2. é uma lei de Murphy: como a parte do pão com geléia que sempre cai pra baixo, a fila vizinha que anda sempre mais depressa, uma vez dito que não gostamos de uma coisa, imediatamente o universo inicia uma maliciosa conspiração, para deixar-nos com cara de tacho e com vontade de dar um tiro em Murphy;
3. é uma espécie de sinal: gargalhar com uma piada besta pode ser um alerta para a chegada de um resfriado; uma repentina afeição por animais detestáveis pode significar o reencontro com alguém que mora longe; rir da freira que quase deu estrelinha com um tombo que levou na escada rolante, o próximo a cair é você; cantarolar emocionado uma musiquinha brega: é melhor cuidar do fígado;
4. n.d.a.: esse gato, na verdade, é um agente especial de uma espécie de Al Kaeda do reino animal, uma nova facção terrorista que elaborou um meticuloso sistema de compreensão da linguagem humana, e que envia periodicamente voluntários suicidas (como o meu pobre Trotsky) para os lares de meninas malcriadas como eu (não se engane, pode acontecer com você também!). Quando chegar o momento marcado, minibombas atômicas instaladas nos estômagos felinos se auto ativarão matando todos num raio de 5km.
Ahá, e eu moro pertinho do colégio...
Cuidado e até a próxima!

11 comentários:

Anônimo disse...

Tadinho de Trotsky! Eu sei bem o que é a perda de um ente felino... digo, querido.


* Cantando comigo e com o Chico do último post:


"Nós gatos já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres
Senhor, senhora ou senhorio
Felino, não reconhecerás"

Anônimo disse...

Pobre Trotski!

Lá se foi mais um Companheiro...

Ai ai, nesses tempos em que até a China abre sua economia para a propriedade privada!!!!

Vá em paz Trostki, para aquele mundo onde os gatos tem seu esapço reservado...

Anônimo disse...

Adeus Lênin, gata em teto de zinco quente, até aristogatos! musicas de chico buarque de hollanda, manuel baneira...impressionantes referencias! voltarei, beijoes!

Anônimo disse...

Ah, Jojo, que pena você ter sido exatamente a sétima.

Anônimo disse...

Ainda aproveitando Chico e a sua sensibilidade única para/com mulheres,retratando fielmente o sentimento de mãe,como você deve estar sentindo agora minha Jojo,pelo seu guri.

"Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar

Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega"

Fiquei muito sentida nega!Lembro e inclusive ainda tenho aqui em casa o texto que vc fez pra Trotski no TVR.
Adeus,Trotski.Assim como no filme,com certeza sua mãe JOana reinventaria o "velho" mundo pra você viver em paz e sem essas doenças de espírito e de cabeça que atacam as pessoas(e os bichos) no sistema que vivemos atualmente!
;**

joanarizerio@gmail.com disse...

ai, que lindos comentários musicais! pois é, o companheiro russo se foi, o revolucionário, o aristogato, o pé-duro mais persa que o mais persa, o pêlo mais macio e os olhos mais verdes que já se viu... e morreu virgem! vamos canonizá-lo! São Trotski, que viraria São Troço, na baianidade nagô, em dois tempos.

Anônimo disse...

Jô, agora que eu estava me acostumando com ele snif!!E agora, quem vai me assustar quando eu abrir a geladeira e sair de lá um gato preto, um gato querendo assustar, se aninhar.... Os verôes baianos não mais terâo os olhos atentos de uma gato a olhar pela janela....o tempo passou na janela e só o Trotsky viu?

Anônimo disse...

Poxa Jojô,
essa de Trotsky se suicidar foi demais. Mexeu com minhas velhas lembranças, da minha Gata Leila Diniz, uma angorá linda, cinzenta e safada que morreu atropelada quando eu tinha 11 anos. Snif, snif, buá, buá. Poxa Trotsky, você era um Príncipe, como dizia a Dinda Tinho, muito, mas muito mais que um simples lorde.

joanarizerio@gmail.com disse...

ô, dinda, nem me fale, agora nem a januária quer ficar mais na janela. o pior é que dá a impressão mesmo de que ele ainda está lá, que eu vou abrir um armário e vou encontrar o bichano aninhado nas cobertas. beijo!

tia teca: quem sabe a linda e safada leila diniz e principe trotsky não formam um par celestial, no trono mais charmoso de todos, no altar dos altares felinos do reino encantado do gato de sete botas... beijo!

Anônimo disse...

Esse seu texto é o melhor de todos os tempos. Parabéns, Jô!

Anônimo disse...

Olá, acabei de encontrá-la aqui por acaso.
Adorei seus textos e, especialmente, esta teoria! Sinto muito pelo gatinho...
Parabéns, benhê. =]