quinta-feira, março 08, 2007

Rapidinha de Chico Folha

Meu pai, com uns putinhos minguados no bolso, veio de Santo Amaro para morar em Salvador com 17 anos. Era um gravetinho e tinha uma cabeça gigantesca. Serviu no Exército por um ano usando uma chapeleta estranha, porque não havia capacete possível.
Chico Folha é apelido herdado, um dos meus tios já era o famoso Beto Folha e isso já rendeu uma crônica do Guido Guerra para o Tribuna da Bahia, quando era jornal. Meu pai me fez acreditar durante anos que o "folha" era porque ele lia muitos livros, pobre inocência a minha.
Ele adora contar pra gente os causos que aprontava quando chegou.
(Me conta também os causos que ele aprontava em Santo Amaro, quando menino, e eu juro que não acredito que uma pessoa possa ter sido tão capetinha. É cinematográfico, juro também que conto um desses em breve!)
Passou entre os primeiros no curso de Economia da UFBA, no final dos anos 70. Conta pra gente o que aquilo ali já foi, contaminado, é claro, pela lonjura do tempo e pelas paixões anarquistas da época. Ficou para mim algo como a Buenos Aires dos anos 50, linda, que eu vi em um filme, de jovens letrados, libertos, cheios de papéis e idéias.
Eu sei que o que ele gosta de fazer mesmo é inveja, e consegue, mata de inveja a mim e a minha geração apática, que ele chama careta, que não sente sequer a perda dos valores.
Um dos primeiros lugares que morou foi na pensão de uma tal de Helena, uma megera desalmada que trancava a geladeira a cadeado, resmungava por tudo e servia uma sopa aguada com pedaços de pão seco sem manteiga pros hóspedes famintos.
Dois deles eram irmãos e as exceções. Almofadinhas do cortiço, tratamento diferenciado. A mãe deles mandava guloseimas toda semana numa maletinha trancada, com iogurtezinhos, que iam para a geladeira da alma sebosa, chocolatinhos, biscoitinhos e os nescauzinhos da época. Papai e o resto do núcleo carcerário chupavam os dedos.
Um dia, aconteceu. O dia de fúria, como vemos todo dia acontecer com os pobres meninos nas notícias backtrunk de cidade grande - em escala menor, é claro.
Os meninos juntaram uns trocados e foram comprar algumas latas de cerveja. Subiram para o telhado forrado de dona Helena sem que ela visse. Cada um com umas três latinhas cada. Ficaram conversando e gargalhando à alta madrugada.
Cerveja dá vontade de fazer xixi, e elas tinham terminado mas... deu preguiça de descer. Chico Folha lança a genial idéia de mirar o buraquinho da lata e despejar-se ali mesmo. Uma, duas... em poucos minutos, havia ali seis ou sete latinhas quentes e cheinhas de xixi.
Na hora de voltar, um problema: se descessem com as latas, bêbados que estavam, derramariam em si mesmos. Se deixassem lá, a megera fatalmente descobriria.
Eis que surge a idéia. Estudando cada centímetro do solo com precisão, eles pegaram as latas e despejaram devagarinho por cima do forro, medindo exatamente onde daria no quarto de dona Helena, na cozinha de dona Helena, nos quartos dos filhinhos de dona Helena, e embebedaram de xixi o forro frágil dos tetos e das paredes de toda aquela bendita casa.
Fudidos já estavam, é claro.
Mas pra sabe que está fudido, fudido e meio é delicioso.
Desceram para a casa e arrombaram a geladeira. Arrombaram também a maleta dos hermanitos, fartaram-se. Na cozinha, pegaram bisnagas de catchup, mostarda e maionese e saíram pintando paredes, panelas, chão, roupas do varal. A vingança é um prato que se come quente, diria Oscar Wilde.
Meu pai escreveu na parede: "Helena você é puta"

- Pô meu pai, coitada, uma senhora, mãe de família! E o marido, e os filhos dela?
- Coitada nada, minha filha.

No dia seguinte, ai, ai, ai. Acho que foram expulsos aos pontapés, mas pelo menos deixaram uma marquinha, a resistência no cheirinho de mijo forever, pra ver se dona Helena e quem mais pudesse acordavam pro mundo.

4 comentários:

Ana disse...

hahaha tadinha da Dona Helena =P

* * *

Anônimo disse...

tadinha nada!! hehehe

Anônimo disse...

Deliciosas travessuras, pequenos delitos de uma geração que, realmente, fez história, sonhou, aprontou todas.

Antonio Rimaci disse...

Eram, sem dúvidas, tempos melhores que este. Não digo isso carregado de nenhum saudosismo: nem me cabe, devido a tão tenra idade(rsrs). Contudo, afirmo que eram tempos melhores, pois existiam aqueles que, cansados de serem molestados por "donas Helenas", num certo momento lhes chutavam os cornos, e lhes mandavam à merda. As donas helenas, mesquinhas, pobres, ranzizas, mulher velhas ou não, problemas maiores ou menores, multicores, burocráticos ou familiares, continuam a existir. O que não existe mais, minha cara, são os Chico Folha. Ao ler coisas desse tipo, tenho cada vez mais certeza de que nasci no tempo errado. Somos da geração que se lamuria em silencio,nos seus quartos escuros, enquanto Chico Folha era da época em que se mandava a puta da dona helena pentear macacos...