sexta-feira, março 23, 2007


Batom Promiss

Eu e minha boca grande caminhávamos silenciosamente em direção ao ponto de ônibus numa manhã de céu parcialmente encoberto. Eu atravessei a rua depois de olhar para o lado de onde viriam carros, enquanto minha boca grande fingiu cantar uma música. (Minha boca grande gosta de fazer isso, fica se mexendo como se cantasse uma música, às vezes para fazer charme, às vezes para fazer eu me passar por doida).
Neste dia, de fato, a minha boca grande queria me fazer parecer louca. Quando eu parei na sombra do poste foi que percebi, distraída, que ela estava “prometendo” coisas. Chegou para um senhor com um pacote na mão e puxou, displicente, com beicinho e tudo, um assunto qualquer. No final ele havia me entregado o seu número de telefone com uma piscadela e minha boca grande dizia: “Prometo que te ligo”.
Eu não entendia. Na minha cabeça, um rebuliço de perguntas. Por fora eu só sentia os movimentos e ouvia as palavras que minha boca grande dizia.
O meu ônibus chegou. O cobrador perguntou se eu tinha um dinheiro menor do que a nota de dez e a boca grande mentiu que não, para depois soltar: “Prometo que amanhã eu trago trocado”.
Preocupei-me. Eu não assentia, mas ela disparava a falar. Penserosa, procurei sentar numa vaga sem ninguém ao lado. Meu silêncio analítico durou doze segundos, até que uma senhora e seu filho resolveram sentar-se no lugar ao lado do meu.
Pus a mão na boca e segurei com força, mas o menino começou: “Moça, que marca é essa?”, apontando para a cicatriz cirúrgica do meu braço esquerdo. A mãe envergonhada o repreendeu, mas não a tempo de frear minha boca grande, que respondeu baixinho: “Ferida de guerra”.
Prometia e mentia, descobri então. E de onde minha boca grande tirou isso? Continuou, desgovernada:
- Curei com cuspe e um band-aid.
A mãe me lançou um olhar esquisito e eu virei para a janela. Pensei que o melhor era me distrair. Vi, quando o ônibus parou em um ponto, uma moça vendendo água. Perguntou de lá de baixo se eu queria, e eu respondi: “Prometo a você que amanhã eu compro”.
O garoto se despediu de mim para descer junto com a mãe no ponto seguinte. Eu gritei-lhe na escada: “Um dia, prometo que conto a você a história inteira!”.
Cheguei ao trabalho prometendo a meu chefe que nunca mais me atrasaria. “Mas hoje você chegou cedo”, “Ah é, então prometo que vou ser sempre pontual assim”.
De noite, em casa, fiz café só pra mim e sentei para pensar, ordenando os eventos daquele dia estranho. Na borda da xicrinha branca eu vi estampada a marca rouge de um meio beijo. Foi então que, num estalo, me lembrei de ter usado de novo meu batom de nome Promiss!
Lavei a minha boca grande e terminei com a brincadeira.

22 comentários:

Anônimo disse...

Magnífico!

Anônimo disse...

Muito massa! Vc já escreve para algum jornal ou revista?

Anônimo disse...

Boca louca. :-)

Ana disse...

Clap clap clap!!!

Óptimo, óptimo ;)*

New Updates disse...

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joanarizerio@gmail.com disse...

verinha: ainda não, mas estou aberta a convites! beijo

Anônimo disse...

que histórinha massa!!! beijoes

Antonio Rimaci disse...

Que belo mundo esse onde as bocas estariam sujeitas a caprichos dos batons... A historinha poderia se desdobrar em inúmeras possibilidades, com diferentes estilos de batons mágicos.Contudo, já há boquinhas malditas que prometem e prometem, mentem e mentem, sem batons...Não seria a solução para o mundo encontrar um que curasse desse mal? E que mundo feio seria esse, um conjunto de verdades... não nos faltaria o brilho daquelas sagradas mentirinhas?

perdoe a quantidade de dúvidas... rs

Beijo, minha querida.

Antonio Rimaci disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Puxa... Deu até pra imaginar como seria esse batom! Acho que ele pode ter muita utilidade em alguns casos, rsrs!

Beijos

Anônimo disse...

massa jojo!!
é vermelho mesmo? pra mim tinha que ser meio laranja, mais sapeca.teu blog já é um favorito na minha lista.
beijos

joanarizerio@gmail.com disse...

verinha, em tempo: esse texto vai sair num jornal de alunos da uneb de jacobina, o "oz pirataz". tornei-me pirata para tanto. rs

IARA disse...

Registra a patente desse batom, urgentemente!! Vai fazer o maior sucesso, sobretudo em Brasília!!!
rsrsrssr
bjo

Anônimo disse...

rsrsrs

A boca é surpreendente qdo quer

heheheh

Adorei aqui, voltarei depois

Anônimo disse...

eu amo seus txts.. sempre acompanho.
bjos e parabéns;

joanarizerio@gmail.com disse...

ai quanto carinho! que legal saber que tenho agradado. fico muito feliz!!
beijos a todos

(e anônimo, revele-se!)

Anônimo disse...

bom seria se fosse simples assim, né jo? as vezes a gente tira o batom, mas a nossa boca insiste, desgovernada, em prometer um monte de mentiras..

aumentando o coro...vc está escrevendo muitíssimo bem, miguxa!!

Edu Alves disse...

ai, como eu queria ter uma prima assim... ahhhh, eu tenho!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Trecho de um dos mais surpreendentes filmes que eu assisti nos últimos tempos...
La belle verte
"A bela verdade"

...

-mas o que é isso??
-isso é um batom...
-é remédio!?
-não! usamos pra ficarmos mais bonitas, para que as pessoas nos achem mais bonitas, para sermos amadas...
- humm, entendi... batom é um remédio pra os outros nos amarem.

...

-quem são esses??
-meu marido e meus filhos, as pessoas que eu mais amo.
-mas eles não usam batom!?!

...

Anônimo disse...

hahahahahaaha
meniiiiiina segure esta boca danada!!!!
cuidado, viu? pra depois ela n falar coisas que não dever ser reveladas. ;)

PS: não se ache muito não, mas vc está escrevendo cada vez melhor. Parabéns.
Quando eu crescer quero ser assim! :D

Anônimo disse...

ops...


*devem ser reveladas...

Anônimo disse...

Parabéns, você escreve muito bem, na verdade, não melhor que eu, pq isso seria impossivel...

Zuera..shaushauhsuhasuhuhsua!


muito 10!