terça-feira, março 27, 2007


Os cabelos e suas mulheres,
Porque são eles os donos delas!



Não crio caso à toa com meus cabelos, mas vejo que muitas mulheres fazem questão de enxergar sempre o pior deles e nunca se satisfazem por completo até conseguir estragá-los irremediavelmente.
Quantos cachinhos lindos se transformaram em monótonas armações de piaçava, por culpa do desbunde de ofertas de secador&chapinha, por vaidades novelescas e modas mal interpretadas ou pela desculpa boba de que é mais prático assim...
Tive a sorte grande de ter quem elogiasse bastante os meus, correspondesse isso à realidade ou não, e assim eles sobrevivem hoje quase da melhor maneira possível, “virgens”, como especialistas chamam os cabelos nunca tratados com química de grosso calibre.
Tenho duas irmãs de cabelos lindos – a terceira tinha o mais bonito de todos, mas tantas fez que o transformou em um mutante (embora continue lindo e linda, cabelo e ela) e acho que ela nem se lembra mais de que cor era. A segunda tem as madeixas escuras, mezzo onduladas, compridíssimas, bagunçadas na medida exata; a outra tem os mais lindos caracóis que começam e terminam da mesma cor e cujos fios têm todos o mesmo comprimento.
O meu é o intermédio disso tudo, só que em versão pós enchente/furacão: não é escuro, é marrom - nem castanho, é marrom mesmo, cor de cocô (desculpa), e ainda por cima apresenta múltiplas tonalidades, matizes que se mesclam em combinações impossíveis ao longo de tortuosos fios: culpa de maltratos solares e da rebeldia sem par da dona.
Mas eu já tentei cuidar dele. Uma vez no salão me convenceram a comprar produtos e continuar o tratamento em casa, com banhos mensais de creme com queratina, ampolas de vitamina não sei o quê e reparadores de pontas, armamento pesadíssimo. Nada adiantou, aprendi que turismo é uma coisa: no salão fica tudo lindo, mas na imigração é que a gente conhece a bagaceira.
Cada moçoila sabe o cabelo que tem e não adianta tentarem interferir na nossa loucura, a menos que a dona sofra de obsessões extremadas, a exemplo de só andar de madeixas domadas ou acreditar que só pode sair de casa depois dos calores dos elétricos portáteis. Pra estes casos eu recomendo tratamento psicológico, precedido de conversa sincera com um cabeleireiro dos bons - raridade no ramo, se encontrar um, me avise.
O meu, cacheado e marrom como foi dito, tem momentos muito particulares de mudanças de textura e de nuances – essa fala é de meu pai, que acha que entende de cabelos, especialmente do meu. Tem também suas imprevisibilidades, como quando resolve ficar bonito mesmo com o cloro da piscina ou com água de mar ou de chuva.
É previsível quando eu durmo com ele molhado e acordo parecendo a vampirinha de “Entrevista com o vampiro”, minha cabeça virada num ninho de pombo reduzido à metade do comprimento. Ou ainda quando eu lavo e penteio para trás no banho, sem pentear quando termino e evitando tocá-lo no processo de secagem: ele forma cachos grandes, soltos e bonitos - tá vendo que eu sou uma mulher que sabe reconhecer quando o cabelo fica bonito?
O problema está nas situações adversas e, diga-se de passagem, são raras as adversidades para um cabelo pouco exigente como o meu. É quando falta shampoo, por exemplo, na casa do papai, e tem que se lavar os cabelos com sabonete - tom de denúncia, apelo! -, compreende? Portando um capacete indócil eu ainda tenho que ouvir: "Minha filha, você devia cuidar melhor desse seu cabelo. Você maltrata muito ele. Fica prendendo! Tem que PENTEAR, DAR UMAS ESCOVADAS NELE ANTES DE DORMIR, cuidar direitinho”. Cuidar direitinho, eu posso com isso?
Com o tempo aprendi não uma solução, mas meu jeitinho: procuro não interferir muito na natureza. A gente vai conhecendo o próprio cabelo e tem que decidir se deseja conviver com ele assim ou não. Se não gosta mesmo do seu, amiga, mude, converse com um especialista e liberte-se. Como eu acho que o meu dá pé, cuido pra que permaneça do jeito que veio ao mundo, ainda que com cachinhos errantes e com esta, digamos, escatológica cor.
Meu jeito é aparar as pontas, quase sempre eu mesma, lavar dia sim e dia não, evitar prender (difícil, difícil), pentear antes do banho (para não quebrar) e, de vez em quando, porque não, pra arrasar num special date, dar um desses besuntados banhos de goga cremosa, com direito a mini desfile em casa com aquela touca espacial e tudo!

sexta-feira, março 23, 2007


Batom Promiss

Eu e minha boca grande caminhávamos silenciosamente em direção ao ponto de ônibus numa manhã de céu parcialmente encoberto. Eu atravessei a rua depois de olhar para o lado de onde viriam carros, enquanto minha boca grande fingiu cantar uma música. (Minha boca grande gosta de fazer isso, fica se mexendo como se cantasse uma música, às vezes para fazer charme, às vezes para fazer eu me passar por doida).
Neste dia, de fato, a minha boca grande queria me fazer parecer louca. Quando eu parei na sombra do poste foi que percebi, distraída, que ela estava “prometendo” coisas. Chegou para um senhor com um pacote na mão e puxou, displicente, com beicinho e tudo, um assunto qualquer. No final ele havia me entregado o seu número de telefone com uma piscadela e minha boca grande dizia: “Prometo que te ligo”.
Eu não entendia. Na minha cabeça, um rebuliço de perguntas. Por fora eu só sentia os movimentos e ouvia as palavras que minha boca grande dizia.
O meu ônibus chegou. O cobrador perguntou se eu tinha um dinheiro menor do que a nota de dez e a boca grande mentiu que não, para depois soltar: “Prometo que amanhã eu trago trocado”.
Preocupei-me. Eu não assentia, mas ela disparava a falar. Penserosa, procurei sentar numa vaga sem ninguém ao lado. Meu silêncio analítico durou doze segundos, até que uma senhora e seu filho resolveram sentar-se no lugar ao lado do meu.
Pus a mão na boca e segurei com força, mas o menino começou: “Moça, que marca é essa?”, apontando para a cicatriz cirúrgica do meu braço esquerdo. A mãe envergonhada o repreendeu, mas não a tempo de frear minha boca grande, que respondeu baixinho: “Ferida de guerra”.
Prometia e mentia, descobri então. E de onde minha boca grande tirou isso? Continuou, desgovernada:
- Curei com cuspe e um band-aid.
A mãe me lançou um olhar esquisito e eu virei para a janela. Pensei que o melhor era me distrair. Vi, quando o ônibus parou em um ponto, uma moça vendendo água. Perguntou de lá de baixo se eu queria, e eu respondi: “Prometo a você que amanhã eu compro”.
O garoto se despediu de mim para descer junto com a mãe no ponto seguinte. Eu gritei-lhe na escada: “Um dia, prometo que conto a você a história inteira!”.
Cheguei ao trabalho prometendo a meu chefe que nunca mais me atrasaria. “Mas hoje você chegou cedo”, “Ah é, então prometo que vou ser sempre pontual assim”.
De noite, em casa, fiz café só pra mim e sentei para pensar, ordenando os eventos daquele dia estranho. Na borda da xicrinha branca eu vi estampada a marca rouge de um meio beijo. Foi então que, num estalo, me lembrei de ter usado de novo meu batom de nome Promiss!
Lavei a minha boca grande e terminei com a brincadeira.

terça-feira, março 20, 2007


Adeus, Trotsky!

Foi suicídio felino ou acidente nas alturas, a gente vê amanhã como sairá nos jornais. Tava iminente, o bichinho, mesmo novo; já tinha gastado umas cinco das sete vidas. Gato em teto de zinco quente, o bichano passeava no nosso teto possível, gostando de viver perigosamente...
Quando chegou aqui de mansinho o meu rebento, seu moço, não se aproximava muito de janelas: transmitiu o trauma silencioso nas unhadas que cravava em cada pescocinho que o atentasse. Mas no fim era íntimo delas, confidente das alturas, equilibrista preciso na bordinha do canteiro, de apartamento a outro, como nascido no circo dos gatos - que deve ser aquele de pulgas, né?
Gatos são amigos da “Indesejada das gentes” (vide Consoada, Manuel Bandeira) e por isso granjearam mais de uma chance. Não foi uma conquista grátis, mas não deixa de ter sido na maciota, posto que eles são sempre eles mesmos, senhores de si, sem fingimento algum. A Indesejada se encanta com os seres que não a temem, e concede a eles o que pouco lhes preocupa.
Era um contador de histórias, esse bichano, mas era principalmente um conquistador. Ludibriou todas as fêmeas que um dia pousaram a mão nas suas costas, miando-lhes baixinho histórias de vira-latas boêmios, gatos sem dono, sem filé e sem almofada, sem amanhã, sem jantar, manhãs de atum amargo, sem uma gatinha tão linda a acarinhar-lhes a barriga...
Umas duas vidinhas, tenho certeza, fui eu, deveras distraída, sentando em cima de um volume fofo e disperso nas cobertas. Ele tinha essa mania, não sei se por enorme preguiça ou porque achava muito gostosinho, de ficar inerte quando coberto de repente por um lençol. Permanecia até que alguém viesse perturbá-lo. Podia estar fazendo o calor dos diabos, ele não se mexia e dormia tranqüilo, tranqüilo.
Finalmente, era um lorde. O conde da corte felina de todos os tempos, inseparável de seus princípios - como havia de ser, em nome do que lhe deu o nome -, senhor das rações de prateleira melhor, dos whiskas sabor salmão com molho de anchovas, de filé ao molho madeira & funghi, frango à poivre, do leitinho gelado sempre, senão não tomava, das incontáveis recusas quando, como num agrado, surpreendiamo-no com uma tigela de refeição menor - atum fresco, pastinha ordinária de sobremesa de gato - nada, nada queria, nada aceitava: era um aristogato.

Uma vez escrevi sobre esse bichinho, então recém-chegado das ruas para minha casa. Foi em 2004 e saiu no jornal do grêmio do colégio!

Teoria da Teoria

É irritante como as situações da vida fazem a gente entrar em contradição, e aconteceu-me há poucos dias: logo eu, que nem de longe algum dia fui muito chegada a gatos, ao me deparar com um bichano desses sem-teto, imundo, verminoso e carente, imediatamente declarei a ele meu amor infinito. Fiquei pensando nisso, e consegui elaborar rapidamente alguns protótipos de minha mais nova teoria. Atenção para as proposições seguintes:
1. essas situações que eu chamei de contradições, nada são senão uma construção em cima de uma idéia negativa que adquirimos de alguém, de certas situações da vida ou mesmo de um trauma de infância – e comigo pode ter sido assim: na fazenda, minha avó sempre teve uma penca de gatinhas que, quando davam cria, um espírito “Felícia” baixava em mim e unia-se ao meu lado já perverso de criança: eu pegava os filhotinhos, ainda crus em instinto e os apertava, jogava pra cima, dava banho... não demorava até que se tornassem tão ariscos a ponto de nunca mais se aproximarem de mim;
2. é uma lei de Murphy: como a parte do pão com geléia que sempre cai pra baixo, a fila vizinha que anda sempre mais depressa, uma vez dito que não gostamos de uma coisa, imediatamente o universo inicia uma maliciosa conspiração, para deixar-nos com cara de tacho e com vontade de dar um tiro em Murphy;
3. é uma espécie de sinal: gargalhar com uma piada besta pode ser um alerta para a chegada de um resfriado; uma repentina afeição por animais detestáveis pode significar o reencontro com alguém que mora longe; rir da freira que quase deu estrelinha com um tombo que levou na escada rolante, o próximo a cair é você; cantarolar emocionado uma musiquinha brega: é melhor cuidar do fígado;
4. n.d.a.: esse gato, na verdade, é um agente especial de uma espécie de Al Kaeda do reino animal, uma nova facção terrorista que elaborou um meticuloso sistema de compreensão da linguagem humana, e que envia periodicamente voluntários suicidas (como o meu pobre Trotsky) para os lares de meninas malcriadas como eu (não se engane, pode acontecer com você também!). Quando chegar o momento marcado, minibombas atômicas instaladas nos estômagos felinos se auto ativarão matando todos num raio de 5km.
Ahá, e eu moro pertinho do colégio...
Cuidado e até a próxima!

domingo, março 18, 2007


Dos ciúmes de todas as falenas em dia de show

Eu te amo, Chico. Não olha para elas, olha só para mim. Olha como eu me arrumei toda, no meu lindo vestido de cetim azul de quase casamento, pra você me chamar de anjo blue. Não olha pra elas. Hoje eu coloquei maquiagem, estou linda, juro que pareço saída de um filme. Sofro sobre este salto, mas por você sofro elegante. Não olha para elas. Elas são lindas, eu sei, mas olha para mim. O teatro está cheio, você faz shows o ano inteiro, entendo como deve ser. Mas não olha para elas, Chico.

Olha para mim. Um olhar já basta, tenho certeza, a gente vai se entender. E podemos seguir juntos pra onde você quiser. O que queres que eu seja? Esposa, amiga, amante, caso? Serei sem me forjar e prometo ser de corpo e alma. Mas olha para mim com esses seus olhos azuis e me diga qualquer coisa. Ou não diga. Olha pra cá, Chico. Eu posso não dizer nada, posso dizer o que você quiser. Me conta a sua história. Casa comigo. Foge comigo. Me mostra, me acolhe, me canta, você é o último homem, só você me entende...

Olha pra mim, Chico. Olha como estou linda hoje, para você.

segunda-feira, março 12, 2007


Cinco vidas eu tivesse, cinco vidas gastaria

Ah, se soprasse um gênio, ou mesmo o barqueiro da encruzilhada e me dissesse: "Joana, minha filha, tens cinco vidas para escolher como gastar". Cinco vidas, mon dieu, alguns com nenhuma e eu ainda assistindo às minhas de camarote. Só em uma eu seria macho, pra experimentar e ver que falta graça. Esse "eu" nasceria nos anos 20, carioca, com olhos cor de mel de abelha jataí e com a lábia maior do mundo. O Jorginho Guinle do subúrbio e do coração. Gastaria fácil, conquistando todas, menos aquela, aquela que cria o saudosismo pro fim da vida.
A primeira mulher poderia nascer mexicana - tudo neste século - ou uma mezzo índia sul-americana muito linda, claro. Gastaria parte de minha beleza com os mui guapos e fugiria com o bando de um circo. Falaria bem pouco e soltaria raivosismos guturais quando contrariada. No circo, eu não seria assistente do mágico nem faria acrobacias. Faria números com um tigre que só respeitasse a mim e morreria dele, um dia, nova ainda, atacada com uma dentada na barriga.
Claro... eu seria atriz de cinema.
Uma do quilo de Marilyn, mas sem os deslumbramentos. Uma Rita Hayworth na trama policial da história. Seria Claudia Cardinalle quando não deu bola pra Mastroianni, ou viveria a glória e o fim à la Norma Desmond, mas desprezaria mais o meu último amante. O pneu do meu conversível furaria numa estrada da Riviera e Marlon Brando me socorreria. Seria uma figurante sonhadora e vulgar em Hollywood e faria um roteirista ruim mui mui infeliz.
Uma gran escritora, eu poderia?

"Trilha sonora ao fundo: piano no bordel, vozes
barganhando uma informação difícil. Agora
silêncio; silêncio eletrônico, produzido no
sintetizador que antes construiu a ameaça das
asas batendo freneticamente.
[...] "

E claro, me jogaria...

Seria outra Joana, enfim. Mas uma Joana diferente, não esta corrigida, e sim a de outros rumos, do alter ego ouvido. Uma Joana parideira de cinco Marias briguentas, que nem no poema:

"Vontade de criar filho. Tudo fêmea.
Muitas fêmeas soltas de mim de avental.
Vontade de largar sapato alto
a teoria meia fina e carreira
para ser toda eu criadeira.
Meu quintal minhas crias
um varal cheio de calcinhas.
[...] "

que tal?

quinta-feira, março 08, 2007

Rapidinha de Chico Folha

Meu pai, com uns putinhos minguados no bolso, veio de Santo Amaro para morar em Salvador com 17 anos. Era um gravetinho e tinha uma cabeça gigantesca. Serviu no Exército por um ano usando uma chapeleta estranha, porque não havia capacete possível.
Chico Folha é apelido herdado, um dos meus tios já era o famoso Beto Folha e isso já rendeu uma crônica do Guido Guerra para o Tribuna da Bahia, quando era jornal. Meu pai me fez acreditar durante anos que o "folha" era porque ele lia muitos livros, pobre inocência a minha.
Ele adora contar pra gente os causos que aprontava quando chegou.
(Me conta também os causos que ele aprontava em Santo Amaro, quando menino, e eu juro que não acredito que uma pessoa possa ter sido tão capetinha. É cinematográfico, juro também que conto um desses em breve!)
Passou entre os primeiros no curso de Economia da UFBA, no final dos anos 70. Conta pra gente o que aquilo ali já foi, contaminado, é claro, pela lonjura do tempo e pelas paixões anarquistas da época. Ficou para mim algo como a Buenos Aires dos anos 50, linda, que eu vi em um filme, de jovens letrados, libertos, cheios de papéis e idéias.
Eu sei que o que ele gosta de fazer mesmo é inveja, e consegue, mata de inveja a mim e a minha geração apática, que ele chama careta, que não sente sequer a perda dos valores.
Um dos primeiros lugares que morou foi na pensão de uma tal de Helena, uma megera desalmada que trancava a geladeira a cadeado, resmungava por tudo e servia uma sopa aguada com pedaços de pão seco sem manteiga pros hóspedes famintos.
Dois deles eram irmãos e as exceções. Almofadinhas do cortiço, tratamento diferenciado. A mãe deles mandava guloseimas toda semana numa maletinha trancada, com iogurtezinhos, que iam para a geladeira da alma sebosa, chocolatinhos, biscoitinhos e os nescauzinhos da época. Papai e o resto do núcleo carcerário chupavam os dedos.
Um dia, aconteceu. O dia de fúria, como vemos todo dia acontecer com os pobres meninos nas notícias backtrunk de cidade grande - em escala menor, é claro.
Os meninos juntaram uns trocados e foram comprar algumas latas de cerveja. Subiram para o telhado forrado de dona Helena sem que ela visse. Cada um com umas três latinhas cada. Ficaram conversando e gargalhando à alta madrugada.
Cerveja dá vontade de fazer xixi, e elas tinham terminado mas... deu preguiça de descer. Chico Folha lança a genial idéia de mirar o buraquinho da lata e despejar-se ali mesmo. Uma, duas... em poucos minutos, havia ali seis ou sete latinhas quentes e cheinhas de xixi.
Na hora de voltar, um problema: se descessem com as latas, bêbados que estavam, derramariam em si mesmos. Se deixassem lá, a megera fatalmente descobriria.
Eis que surge a idéia. Estudando cada centímetro do solo com precisão, eles pegaram as latas e despejaram devagarinho por cima do forro, medindo exatamente onde daria no quarto de dona Helena, na cozinha de dona Helena, nos quartos dos filhinhos de dona Helena, e embebedaram de xixi o forro frágil dos tetos e das paredes de toda aquela bendita casa.
Fudidos já estavam, é claro.
Mas pra sabe que está fudido, fudido e meio é delicioso.
Desceram para a casa e arrombaram a geladeira. Arrombaram também a maleta dos hermanitos, fartaram-se. Na cozinha, pegaram bisnagas de catchup, mostarda e maionese e saíram pintando paredes, panelas, chão, roupas do varal. A vingança é um prato que se come quente, diria Oscar Wilde.
Meu pai escreveu na parede: "Helena você é puta"

- Pô meu pai, coitada, uma senhora, mãe de família! E o marido, e os filhos dela?
- Coitada nada, minha filha.

No dia seguinte, ai, ai, ai. Acho que foram expulsos aos pontapés, mas pelo menos deixaram uma marquinha, a resistência no cheirinho de mijo forever, pra ver se dona Helena e quem mais pudesse acordavam pro mundo.