
Os cabelos e suas mulheres,
Porque são eles os donos delas!
Não crio caso à toa com meus cabelos, mas vejo que muitas mulheres fazem questão de enxergar sempre o pior deles e nunca se satisfazem por completo até conseguir estragá-los irremediavelmente.
Quantos cachinhos lindos se transformaram em monótonas armações de piaçava, por culpa do desbunde de ofertas de secador&chapinha, por vaidades novelescas e modas mal interpretadas ou pela desculpa boba de que é mais prático assim...
Tive a sorte grande de ter quem elogiasse bastante os meus, correspondesse isso à realidade ou não, e assim eles sobrevivem hoje quase da melhor maneira possível, “virgens”, como especialistas chamam os cabelos nunca tratados com química de grosso calibre.
Tenho duas irmãs de cabelos lindos – a terceira tinha o mais bonito de todos, mas tantas fez que o transformou em um mutante (embora continue lindo e linda, cabelo e ela) e acho que ela nem se lembra mais de que cor era. A segunda tem as madeixas escuras, mezzo onduladas, compridíssimas, bagunçadas na medida exata; a outra tem os mais lindos caracóis que começam e terminam da mesma cor e cujos fios têm todos o mesmo comprimento.
O meu é o intermédio disso tudo, só que em versão pós enchente/furacão: não é escuro, é marrom - nem castanho, é marrom mesmo, cor de cocô (desculpa), e ainda por cima apresenta múltiplas tonalidades, matizes que se mesclam em combinações impossíveis ao longo de tortuosos fios: culpa de maltratos solares e da rebeldia sem par da dona.
Mas eu já tentei cuidar dele. Uma vez no salão me convenceram a comprar produtos e continuar o tratamento em casa, com banhos mensais de creme com queratina, ampolas de vitamina não sei o quê e reparadores de pontas, armamento pesadíssimo. Nada adiantou, aprendi que turismo é uma coisa: no salão fica tudo lindo, mas na imigração é que a gente conhece a bagaceira.
Cada moçoila sabe o cabelo que tem e não adianta tentarem interferir na nossa loucura, a menos que a dona sofra de obsessões extremadas, a exemplo de só andar de madeixas domadas ou acreditar que só pode sair de casa depois dos calores dos elétricos portáteis. Pra estes casos eu recomendo tratamento psicológico, precedido de conversa sincera com um cabeleireiro dos bons - raridade no ramo, se encontrar um, me avise.
O meu, cacheado e marrom como foi dito, tem momentos muito particulares de mudanças de textura e de nuances – essa fala é de meu pai, que acha que entende de cabelos, especialmente do meu. Tem também suas imprevisibilidades, como quando resolve ficar bonito mesmo com o cloro da piscina ou com água de mar ou de chuva.
É previsível quando eu durmo com ele molhado e acordo parecendo a vampirinha de “Entrevista com o vampiro”, minha cabeça virada num ninho de pombo reduzido à metade do comprimento. Ou ainda quando eu lavo e penteio para trás no banho, sem pentear quando termino e evitando tocá-lo no processo de secagem: ele forma cachos grandes, soltos e bonitos - tá vendo que eu sou uma mulher que sabe reconhecer quando o cabelo fica bonito?
O problema está nas situações adversas e, diga-se de passagem, são raras as adversidades para um cabelo pouco exigente como o meu. É quando falta shampoo, por exemplo, na casa do papai, e tem que se lavar os cabelos com sabonete - tom de denúncia, apelo! -, compreende? Portando um capacete indócil eu ainda tenho que ouvir: "Minha filha, você devia cuidar melhor desse seu cabelo. Você maltrata muito ele. Fica prendendo! Tem que PENTEAR, DAR UMAS ESCOVADAS NELE ANTES DE DORMIR, cuidar direitinho”. Cuidar direitinho, eu posso com isso?
Com o tempo aprendi não uma solução, mas meu jeitinho: procuro não interferir muito na natureza. A gente vai conhecendo o próprio cabelo e tem que decidir se deseja conviver com ele assim ou não. Se não gosta mesmo do seu, amiga, mude, converse com um especialista e liberte-se. Como eu acho que o meu dá pé, cuido pra que permaneça do jeito que veio ao mundo, ainda que com cachinhos errantes e com esta, digamos, escatológica cor.
Meu jeito é aparar as pontas, quase sempre eu mesma, lavar dia sim e dia não, evitar prender (difícil, difícil), pentear antes do banho (para não quebrar) e, de vez em quando, porque não, pra arrasar num special date, dar um desses besuntados banhos de goga cremosa, com direito a mini desfile em casa com aquela touca espacial e tudo!