quinta-feira, dezembro 14, 2006

Observe:

“No Brasil de hoje, 20 milhões de meninos jogam futebol. Se apenas um em cada dez mil tiver talento e persistência, nas próximas copas teremos dois mil ótimos jogadores; se for um em cada um milhão, ainda assim teremos dois times completos, formados por grandes craques. O mesmo não vai acontecer com a ciência, a tecnologia e a literatura no Brasil. Não teremos 20 prêmios Nobel, nem mesmo juntando, a esses meninos, os outros 20 milhões de meninas. Porque poucos entrarão na escola aos quatro anos. Não terão acesso a verdadeiras escolas, não poderão persistir no desenvolvimento de talento, não terão livros ou computadores como têm bolas. O Brasil tem grandes craques graças ao gosto pelo futebol, ao tamanho da nossa população e ao fato de que todos têm acesso à bola e ao campo de pelada. [...] Os campos e as bolas surgem espontaneamente, ou pelo esforço da comunidade e dos próprios meninos. A escola e os computadores só estarão à disposição se houver um esforço deliberado do país inteiro. Ninguém vira craque por sorte, e sim por talento e persistência. Mas, no Brasil, o desenvolvimento intelectual depende, antes de tudo, da sorte de nascer em uma família rica, em uma cidade próspera, com um prefeito que dê prioridade à educação. O talento e a persistência vêm depois.”
Trechos de ‘Paixão Nacional’ - Cristóvam Buarque em O Globo (10/06/2006)


Recebi de duas amigas a seguinte mensagem, que parece estar circulando por toda a rede de e-mails do país:

"Campanha de boicote ao filme americano TURISTAS, distribuído pela Paris Filmes, que estréia nos EUA dia 10 de Dezembro e em Janeiro ou Fevereiro aqui no Brasil. Para quem não sabe, o filme conta a história de seis jovens americanos que vêm ao Brasil de férias. Chegando aqui eles tomam uma caipirinha com 'boa noite Cinderela', são assaltados, seqüestrados, torturados e por fim têm os órgãos roubados por traficantes da indústria clandestina de transplantes. São cenas fortes e tristes. E isso tudo citando o Brasil como cenário! Alguns morrem e mesmo os que sobrevivem não têm um final feliz. O filme é classificado como Terror, comparado ao filme 'O Albergue' e a EMBRATUR já está preocupada com a péssima repercussão do filme lá fora. Só pra se ter uma idéia, o trailer começa com a frase: 'Num país onde vale tudo, tudo pode acontecer!' Vamos fazer deste filme, pelo menos aqui no Brasil, um fracasso total de bilheteria. Por mais que tenhamos problemas aqui, não é justo atacarem nossa imagem de forma tão ofensiva. E repassem para o maior numero possível de pessoas que puderem!!!"


Pelo o amor de Deus, o que está acontecendo?!
Eu fico sem entender que tipo de fúria acarreta o nosso tão surrado orgulho nacional quando vemos uma coisa boba como essa. É como uma isca que mordemos feito peixinhos: lançam uma crítica assim para que a atenção se volte para temas pouco importantes. Me lembra a repercussão de um episódio de Os Simpsons que se passa no Brasil - divertidíssimo, por sinal. A trama: Ronaldo (olha o nome), um pobre chiquito da favela carioca, é filmado por uma emissora de TV americana e exibido em Springfield, direto na residência da famosa família. Lisa, comovida, convence a família de ir ao Rio de Janeiro procurar o garotinho.

Chegando ao Brasil, inicia-se um festival de exageros bem à linha do humor do desenho. Em quinze minutos a família é assaltada por bandidos mirins e em seguida por macacos; no hotel, os carregadores fazem malabarismo e embaixadinhas com as malas e arremessam-nas pelo saguão. Depois são seqüestrados por bandidos no bondinho. Em alguma parte eles comem em um restaurante onde garçons tentam lhes passar a perna e as garçonetes usam frutas na cabeça - todos, claro, falando em espanhol.
Para mim a questão se apresenta como mais um filme da coleção de obras fantasiosas espalhadas pelo mundo à la “café, Pelé, mulata e praia”. Existe um novo documentário feito por uma brasileira que entrevistou atores e diretores que trabalharam em filmes com esta linguagem estereotipada que trouxe descobertas interessantes. Ela perguntou a uma atriz se sabia que o idioma brasileiro é o português e não o espanhol falado no filme estrelado por ela há anos. Envergonhadíssima, a atriz pediu desculpas porque até então ignorava o assunto. À mesma pergunta, um diretor respondeu que sempre soube qual língua se fala no Brasil, mas explicou que a escolha do espanhol, no caso dele, foi por generalização. “É a língua da maioria dos países da América Latina”. Culpa do inocente marketing.


Meu diagnóstico para “Turistas” é o que eu chamo de um exemplar de exageros cinematográficos. São clássicos e necessários, compõem o cinema e não precisam corresponder à realidade. Cometemos o mesmo "erro" diariamente no que tange à culturas alheias da maneira mais estúpida: na vida real. Quantas pessoas pensam uma África inteira de negros pobres, primitivos, rusticamente enfeitados com seus artesanatos aldeões e... todos soropositivos, claro!?. Ou talvez um Oriente Médio de homens-bomba, de pobreza e opressão? A China, com seu bilhão imortalizado em filmes ora como mafiosos, ora como comerciantes palermas.
Fora o exemplo citado, o europeu Albergue que se passa na Eslováquia: um festival sanguinolento de violência em pleno oásis da civilidade. Ainda tem a crítica escancarada aos estúpidos personagens americanos do filme... Bem... Esquece este último que eu falei.
Paro pra ver então o que acontece na realidade brasileira. Minha mãe me diz que eu devo satisfações porque eu ainda não sou dona do meu nariz. Para me indignar, preciso antes pagar minhas próprias contas. O Brasil deve satisfações. Todo mundo está cansado de saber que crianças brasileiras se envolvem na criminalidade cada vez mais cedo. Que o turismo sexual é uma realidade não combatida - pelo contrário, é incentivada e propagada mundo afora. Que o Rio é uma arena romana aonde se assiste à banal e diária carnificina humana da janela ou no jornal nacional nosso de cada dia.
Então, reclamar do quê mesmo? A Embratur tem mais com o que se preocupar, acho que vou mandar uma cartinha pra eles.

7 comentários:

Anônimo disse...

que os estereótipos são constantes e que os exageros são próprios da linguegem cinematografica, vá lá...

mas se boicotar é um ato meio estupido de indigmação barata, não devemos nos esquecer de que somos nós os responsáveis por uma imagem mais realista deste pais lá fora.Com bundas e pelés, mas também com todos as outras nuances.

"Turistas" é apenas um bom pretexto para pensar nos preconceitos globais baseados no tripé samba-mulher-futebol que a anos se insiste em divulgar!

Sou sua fã, Jô!
é deste tipo de discussão que a gente precisa!

Anônimo disse...

bem, como posso dizer isso?
ahhh n posso dizer, moro no brasil e infelizmente n existe liberdade de expressao aqui... qr dizer, existir existe, mas so usa qm tem dinheiro pra sustentar esse privilegio!
enfim, fica o dito pelo n dito, maldito!

=***

Anônimo disse...

Eitcha menina que escreve bonito!
Sabe, Jô, acho que um país que escolher não ter senso de humor e não aprender a rir de si próprio aí é que não merece mesmo ser levado a sério. Certa turma do governo federal sob a gestão FHC ficou revoltadinha com os Simpsons. Vê se pode, com os Simpsons! Quero ver a hora que a turma do South Park lembrar da gente, o que é que vão falar. Ou então o Tarantino e o Spike Lee filmarem a história do Brasil, aí a coisa ia ficar boa. Bom domingo pra ti, pra todas e todos. Ah, pra compartilhar: "Sus Ojos se Cerraron", Carlos Gardel e depois com a Libertad Lamarque.

Anônimo disse...

O mau do brasileiro é não saber o que reclamar! Se apega à banalidade da ficção e fecha os olhos pro filme de terror que se tornou a vida real.

Na verdade eu tô bastante curioso pra ver "Turistas". Me amarro nesse filão de suspense. Bora comigo Jojo??

Beijoca.

Anônimo disse...

não é "que há anos se insiste em divulgar" e sim "que é divulgado há anos"! somos nós os responsáveis, porque somos nós que nos preocupamos mais com a rebordosa do que com o problema que a causa. em enquete, brasileiros admitem a corrupção como uma característica típica, como pode? a existêcnia do filme é um sinal de que tem algo muito errado nessa história. acredite: é ínfima a culpa que se pode atribuir a um filme, por mais tenebroso que seja seu enredo. eu lembro dessa turminha do fhc que o mauro citou, não deu pra acreditar. se irritar com os simpsons!? vão trabalhar, meus amores... o comentário mais sóbrio que ouvi foi de um assessor da embratur, algo como "se não fosse feito tanto rebuliço, o episódio passaria despercebido pelos olhos do público. mas agora sabemos que os sites de download vão ficar congestionados com a quantidade de acessos". exageros à parte, a descrição do filme fala alguma inverdade? seqüestro, assaltos, órgãos roubados? pés no chão, nós ouvimos notícias assim diariamente. sei que no Brasil tudo pode acontecer, e é baseado nisso que eu insisto que essa campanha de boicote é falida.

Anônimo disse...

marcelo:

vamos sim!

Anônimo disse...

Concordo que qualquer exagero ufanista nos afeta enquanto povo e elocubra a necessidade de estado crítico e alerta.
Mas também convenhamos que há uma necessidade de outros países de nos reservar o conceito de atgraso e sub-civilidade... coisa que nós mesmos nem sempre sabemos combater á altura!
Cobinei com Joana de irmos ver o filme juntos... creio ser difícil suportar pela própria falta, creio eu, de qualidade cinematográfica, mas seja como for quero formar uma opinião mais enbasada.
mas, com antecedência, já vou avisando:
SOU BRASILEIRO E NÃO ABRO!
RSSSS
ABRAÇOS!