segunda-feira, outubro 22, 2007

A sina de Abelardo

Abelardo se achava um azarado no amor desde que deixou uma cigana revelar a sua mala suerte. Antes não, mas depois de lida a sua mão, nada parecia no lugar. Como o dedo de alguém no seu destino, como em uma novela - "Fado Tropical" -, as mulheres de sua vida de súbito ficaram morenas e lindas como as índias mapuches dos olhos de rio doce. Todavia, ficaram repentinamente loucas, algumas com desvario agudo, histéricas, outras com apenas um horizonte de mar perdido no fundo da retina. As doidas assim, mansas - qual filhas de Helena, a cria dileta de Suzana Flag em Núpcias de Fogo - eram as que mais abatiam o palpitante coração de Abelardo, posto que a loucura só lhes acrescentava mais graça.
Já passava das oito quando Abelardo, mirando os próprios olhos no espelho do banheiro, não sem um traço de loucura - veneno herdado dos amores, diriam - decidiu ser o senhor de seu destino. Procurou no oráculo da modernidade - no Google, que tudo ensina - os segredos e significados de cada linha da palma que agora enxugava o suor de sua fronte. Después, com um canivete ou uma peixeira de baiano, consertaria na tora o destino torto com linhas certas. Procuraria a falsa bruxa da Andaluzia, la mueça del tarot, a cigana do corazón de piedra e ordenaria que lesse agouro melhor.
O rasgo que a peixeira fez, segundo a leitura semi-analfa de Abelardo, fadava à sorte de um amor tranqüilo. Com essa certeza ele foi atrás da mulher. Primeiro, pela praia de Piatã. Depois na rodoviária, e lá estava ela, de vestido laranja, sandália de couro, sorrindo um canino de ouro.
- Buenas tardes - ele disse.
- Buenas, mi cariño. Quieres que leia su mano?
- Por supuesto - respondeu em portunhol selvagem, e estendendo a mão cortada, arrematou: - Quero que releia o destino a que usted me condenou.
A cigana tomou a mão de Abelardo, deu um grito, e com cara de espanto saiu correndo, entrou na pista dos ônibus e foi atropelada antes que pudesse completar: “Su destino será muy...”.
Coitado de Abelardo. Se a cigana pudesse prever a sina de amargura que o pobre gajo atravessaria, deixava pra morrer alguns segundos mais tarde. Pior do que carregar uma maldição é a incerteza de tê-la.
Abelardo hoje vaga em busca da cigana que decifre a sorte que ele mesmo desenhou – a última que consultou tinha olhos da cor do Titicaca e cabelos tão compridos que arrastavam consigo todas as folhas, pedrinhas, poeira dos cantos das ruas, de estrelas, sonhos de amores e segredos de alcova dos corações perdidos que encontrava pelas esquecidas veredas sulamericanas.

10 comentários:

Álvaro Andrade disse...

Coitado do Abelardo
há magia nesse mundo
pra salvá-lo desse fardo?

Taiane Dantas disse...

Abelardo pobrecito...
HAhaha!Adorei ele consultando no Google e consertando seu destino "natoralmente"huaehaeuhea
Ai, Joana...muito adorável ler-te. De verdade. É sempre muito suave, agradável aos olhos! :D
E quanto a Alagoinhas, não sou daqui mas moro aqui há um ano. Sou de Brumado.


;*

Anônimo disse...

Hattori Hanzo, arrisco dizer que esta é sua melhor espada.

Anônimo disse...

Merece até um sorvete, Ruanita!

Laa Kybele: disse...

Que delícia de continho Juanita guapa...

subliterato disse...

li a primeira frase.. gostei!
lerei o resto.. hihi

subliterato disse...

li todas elas..uma parece chamar, alías clamar pela outra.. vc dá gosto as palavras, delícia! mais...

Paulo Bono disse...

gostoso o texto.
abraço, Joana

Anônimo disse...

gostoso mesmo jojo's
faço dos recadinhos daqui os meus...
bjoca

Anônimo disse...

Gostei.