domingo, janeiro 27, 2008

Só mais uma segunda-feira

Do lado de cá da rua, podia-se ver o letreiro de neon com o nome Karol's ainda aceso, piscando. Mesmo com o dia já iluminando a noite fria. Do lado de lá alguém viria que Antenor (lia-se bem grande em sua camisa), sentado na calçada e com os cotovelos sobre os joelhos parecia esperar alguma coisa ou alguém sair de dentro da porta vermelha.
Ele não torceu o nariz nem ensaiou mudar de lugar quando um caminhão de lixo parou na esquina do Karol's. Um cachorro quis fuçar um saco aberto e um dos recolhedores espantou-o com um chute, mas o bicho não protestou - a complacência dos vira-latas. Os rapazes que carregaram o lixo fizeram seu trabalho sem verdadeiramente perceber que havia uma pessoa ali. Se viram, confundiram aquele corpo inerte com o resto da paisagem e seguiram adiante.
Antenor bebia os goles finais de uma cerveja morna, a sexta desde que chegara ali. Com as outras cinco garrafas ele já havia feito um truque, a brincadeira musical em que se bate a chave nos corpos das garrafas quando cada uma contém uma quantidade diferente de líquido. Um tempo depois ele deixou duas delas rolarem pelo asfalto e sentiu uma migalha de vidro acertar sua bochecha quando um ônibus passou pela rua, mas não chegou a se cortar.
Antenor tinha relógio, mas não o olhava. Não era pressa o que ele tinha.
Da sacada da minha janela, vendo aquele homem assim, eu apostei todas as minhas fichas que uma mulher sairia por aquela porta rubra e por algum motivo o faria levantar-se.
De fato, não poderia-se dizer que este observador que do quinto andar vos fala teria tanto azar no jogo assim: afinal foi uma mulher - dona Maria, a dona da cafeteria - quem abriu a porta para que o garçom meio bêbado, meio sonolento e inexperiente se levantasse para começar o novo expediente.

4 comentários:

o Quinto disse...

maravilhoso

Paulo Bono disse...

gostoso.
abraço, joana

Anônimo disse...

Sua poesia tá invadindo sua prosa. Tá com a mania de rimar os finais. Muito bonitinho.

Anônimo disse...

Fiu-fiu morena da prosa deslizante!
Escrever contos está virando sua especialidade.
Beijo
Mauro