sexta-feira, junho 01, 2007

Uma cilada para a analista

baseado em fatos reaiss

O homem chegou no escritório da analista quando faltavam cinco minutos para a consulta começar. Sentou-se, ofegante, e sem saber o que fazer com aquele tempo, puxou uma das revistas para o joelho e começou a folheá-la sem muito interesse. Havia apenas ele e a recepcionista na sala de espera. Lembrou-se de ter lido que pacientes de analista evitam permanecer muito tempo nos consultórios para que ninguém os flagre. Chegam quase em cima da hora e partem imediatamente depois que a sessão termina.
Sem querer, os olhares dos dois cruzavam a toda hora, e isso começou a incomodar muito o homem. Tinha alguma coisa na moça que não o agradava. Achava o seu olhar insolente. Em seis anos de análise, ele nunca sentiu vontade de trocar palavras que não fossem referentes à sua condição de paciente e à dela de recepcionista.
Mudou de lugar, expirando sonoramente como quem esvazia de uma só vez o pulmão inteiro, de modo a fazê-la perceber o seu incômodo. Sentou-se dando-lhe as costas.
De repente, ela rompe o silêncio para dar um aviso: a Dra. Rosa estava presa num engarrafamento e poderia se atrasar. Surpreendido, ele fez que entendeu, balançando a cabeça rapidamente, mas depois, recompondo-se, morreu de raiva por ela ter falado com cortesia. Não queria cortesias daquela insolente; na verdade queria ter ouvido uma grosseria e ter um motivo para destratá-la de volta, dizer-lhe algo. Fazê-la perder o emprego.
Começara a suar e a balançar as pernas. Suava e balançava as pernas quando ficava nervoso e sabia que a recepcionista conhecia esses sintomas, que anunciavam as crises de outrora. Ele podia jurar que, naquele instante, havia um sorriso de ironia na cara da moça, como se ela julgasse patética a sua agonia. Ele há muito tempo não ficava tão nervoso assim.
Estupefato, ele irrompeu com o dedo levantado e foi em direção ao balcão, gritando:
- Olhe, eu me cansei da sua cara me olhando desse jeito!
- Senhor... por favor, acalme-se! – respondeu, paralisada.
- Acalme-se uma ova. Eu percebo quando você me olha com essa sua cara sonsa. Acha que eu não sei o que você está pensando? Você deve contar a todos, às risadas, que trabalha num lugar onde um paciente maluco aparece de vez em quando para dar suas crises.
Ela já estava interfonando para a segurança quando Dra. Rosa entrou na sala. Devia ter mais de setenta, mas era jovial e tinha a aparência muito saudável; usava um tailleur de linho cinza escuro listrado de preto, os cabelos presos num coque impecável e um par de brincos de pérola. Olhou para aquele homem que berrava e transpirava como um porco que se sabe prestes ao sacrifício e ordenou-lhe, em tom baixo:
- Sr. Aderbal, queira por gentileza dirigir-se à minha sala.
Dentro dela, a doutora fez o nervoso paciente deitar-se no divã. Àquela altura, Aderbal estava com os parafusos da cabeça qual peças perdidas dentro de uma gaveta de ferramentas. De repente, não sabia onde estava; olhava para a doutora e perguntava o que fazia ali. Sequer lembrava-se de seu imbróglio com a recepcionista, minutos atrás. Parou de falar e ficou com a vista imóvel, como se percebesse algo além das janelas da sala. Então sentenciou:
- Gostaria de ir embora. A senhora poderia discar para o piloto do meu helicóptero?
- Que helicóptero, Sr. Aderbal? – respondeu ela, indiferente - acostumada -, enquanto preparava uma injeção tranqüilizante.
- O MEU helicóptero! Eu só saio daqui nele.
“Mais essa agora”, pensou a doutora. Não havia helicóptero algum. Ela tentou aplicar-lhe a injeção, mas o homem reagia mal. Delirava: "Você quer me dar um sonífero para depois roubar o meu helicóptero!". Não queria saber de outra coisa. Enquanto ele bradava pelo paradeiro do veículo, Dra. Rosa pensava no expediente, que terminara duas horas atrás.
Cansada, de súbito, a doutora resolve abandonar seus métodos e declara com o tom sereno de sempre:
- O trânsito de helicópteros hoje está um inferno. São seis da tarde e está o maior congestionamento sobre esses prédios... Ou você acha que é o único que tem helicóptero? Dessa vez você terá que ir pra casa de carro. Quer uma carona?
O pólo sobressaltado, o alter ego da personalidade em crise pôs-se imediatamente em seu lugar, desarmado de argumentos. O moço ficou tão calmo que deu até para aplicar a injeção.
Nada como uma eventual volta à velha psicologia, aquela politicamente incorreta mas que funciona sempre!

10 comentários:

Paulo Bono disse...

analista, gorgulho, buzu...
um blog cheio de vida real.
parabéns.
abraço.
*obrigado pela visita.

Anônimo disse...

vou passar de helicoptero pra ver se encontro esse doido. adorei a cronica. beijinhos

Anônimo disse...

Olá! Vim responder teu coment´rio e me deparei com seus textos. otima historia! Otima a do gorgulho tb.

beijos

Anônimo disse...

oi jojo! que beleza de narativa. isso da ate filme. bjs

Laa Kybele: disse...

ô minha linda.. já havia entrado aqui em outras ocasiões. adoro isso aqui!! só não conhecia o das bacabtes; vc tem mesmo 19 aninhossss??? vou colocar o seu link entre os prediletos- puedo?
beijoss!!

Anônimo disse...

hahahahaha
Nada como a voz de uma mulher pra por um maluco no lugar.

beijos

Tiago disse...

Muito bom, que situação hein!
Ótimo blog, escritos bacanas, voltarei + por aqui.

A propósito, não sou o mesmo Tiago do comentário acima, nossa como tem Tiago neste mundo.

Beijos.

coletora de memórias disse...

Lindo,Jojô!
Muito bom!
O final, ótimo!
Hahahaha!
Beijões

Anônimo disse...

Quem me indicou foi um adaerbal. Qualquer semelhança nao e mera coincidencia. rs

Augusto

joao p. guedes disse...

A sorte de um louco é ter quem lhe entenda, sacando o truque da dialética dentro do âmbito da loucura. Afinal, a verdade é o que todos instam.

Abço.

joão p. guedes.