
Eu e o cinema
Foi paixão a, talvez, décima vista. Demorou e eu fui enfim laçada, arrebatada e vencida: o cinema inaugurou uma nova era na minha então tão breve vida. Eu tinha doze ou treze anos quando meu pai, sempre vanguardista e generoso no presentear, me deu o que na época era algo que eu não cogitava ter tão cedo: um aparelho de dvd. Fiquei estusiasmada mais pelo ar da novidade do que pelo deleite ou pelo acréscimo cultural que o aparelho poderia me proporcionar. Recebi o "bicho" em casa e marquei a inauguração com amigos, seria a exibição da primeira de uma série de tardes cinematográficas (lembrando bem, agora eu observo: há uns cinco ou seis anos, o dvd ainda era uma grande novidade. A mesma coisa foi com o celular, no início era uma aquisição complicadíssima, hoje qualquer cachorro de madame possui um com flip, viva voz e câmera).
Meu pai esqueceu de levar o controle remoto e, sem ele, não é possível selecionar legendas. Voltamos à pequena locadora para trocar o filme gringo por uma película brasileira, e na falta de opções, levamos o péssimo "Avassaladoras". Deprimente. Filme horrível, bobo, sem graça, chato
pra se ver até na intenção de ver um filme chato.A "segunda vez" do meu dvd disparou em qualidade. Aluguei, dessa vez sozinha, "Janela indiscreta", de Hitchcock e "Advogado do diabo". Fiquei atinada e a partir daí, cada troquinho que eu arrumasse teria como destino o caixa da pequenina locadora que, aos poucos, foi mostrando pra mim o tesouro que guardava. Neste ano de 2002 ou 2003 - talvez ambos, que péssima memória a minha - eu assisti mais filmes do que em toda a minha vida.
Ganhei também de meu pai nessa época o "imperdível, melhor filme de todos os tempos" (segundo ele), "Cidadão Kane". Fui com sede demais ao pote e vi menos do que esperava a minha mente ansiosa e mirabolante. Maravilhoso, claro, pude constatar anos mais tarde, com jeito e com calma.
Nesse lote vieram ainda outras pérolas. Também de Orson Welles, "A dama de xangai", com sua fabulosa cena dos espelhos e "F for Fake", que eu achei esquisitinho; o honorável "Chinatown" (vida longa a Jack Nicholson); "Atlantic City", me revelando a talentosa Susan Sarandon desde a mocidade; "Butch Cassidy", com os deuses Paul Newman e Redford; e por fim, o que já foi meu número 1 e que por muito tempo colorirá meu top 5 melhores filmes, o incomparável "A primeira noite de um homem".

["Hello darkness, my old friend... I've come to talk with you again", ciciado por Simon e Garfunkel, é o primeiro verso de "Sounds of silence" e me provoca calafrios até hoje.]
Comecei pelos clássicos modernos. De Laranja Mecânica e Calígula aos filmes doidos de David Lynch, eu estendi o apreço por uma obra à coleções, e assim conheci Chaplin, Hitchcock, Oliver Stone, Scorcese, Coppola, Altman, Tarantino, Bergman, Truffaut, Buñuel, Fellini, Godard e Kurosawa (rapidamente), Woody Allen, Billy Wilder, Polanski, até Glauber (eu era uma guria muito tirada) e outros tantos, com certeza. Fora os "filhos únicos" (não enumerados por preferência): "Corra, Lola, Corra", "Como água para chocolate", "Amarcord","Casablanca","O fabuloso destino de Amélie Poulain", "Irmãos cara de pau", "O incrível exército de Brancaleone", "Scarface", "Um dia de cão", por aí.

E pra vocês, me contem: como foi que o cinema, esse sujeito simpático, se apresentou?

