quinta-feira, julho 14, 2011

Começo, fim e meio

Coitada de Nina. Já tava cansada deles. Era sempre assim no começo:

"Nina, nome de rainha, eu trouxe empadinha da Tia Tônia, que você ama."
"Não, luz do sol, deixa que eu lavo."
"Sim, flores! E precisa de motivo?"

Assim no meio:

"Sobrou amendoim do pacotinho que eu comprei mais cedo, vai?"
"Precisamos contratar alguém pra ajudar nesta casa."
"Qual é a função de um ficus no canto da sala?"

E no final:

"Pão no jantar? Depois reclama que não emagrece."
"Vai lavar essa louça, sua porca."
"Tá no lixo, junto com aquela bromélia inútil."

Pobre Nina. Até que um dia.

Saiu de salto, batom roxo, vestido que emagrece a gente, sorriso de 80 dentes. Assim ia, do alfaiate

à

padaria. E foi mesmo o padeiro que, quando viu Nina, parou de anunciar "olha o pão quentinho" e largou, de olho nela:

- Olha o sonho...

Nina riu. Pobre padeiro.
Nina agora era escolada. Tinha sede de vingança. Não queria saber de nhém nhém nhém, lero-lero, inhame. Tinha recalque da raça. Fez dele escravo, pedreiro, terapeuta, massagista, office-boy e psicanalista.

- Você é o pior padeiro das Américas. Isso porque eu só conheço padeiros das Américas, senão eu diria que você é o pior do mundo.

Maltratou o pobre até esquecer o porquê, e fazer essa história começar do fim, parar anos no meio e seguir, eternamente, no comecinho.



sábado, julho 09, 2011

Putinha

Era um trabalho para uma matéria da faculdade que eu acabei perdendo. Fazer um perfil sobre alguma personalidade soteropolitana. Podia ser qualquer pessoa, contanto que eu conseguisse convencer a professora de que valia a pena.

- Se existisse blog na época de Bukowski, seria igual ao desse cara.

Eu conhecia passagens do Espalitando de cor. É blog daqueles bons de verdade, que ao contrário do meu não se perdem no tema nem espantam a clientela for falta de prosa.

Deve ter sido via comentário que eu pedi pra me encontrar com ele. Ele topou. Na hora do almoço dele, em uma agência de publicidade.

Ele apareceu, gordo e mal diagramado como eu imaginava. Liguei o gravador e falamos de amenidades. Eu não sou boa entrevistadora, então foi tudo meio estranho. Até que eu perguntei:

- Aquelas coisas que você escreve são verdade?
- Algumas são. Só não vou dizer quais.
- ...
- Você sabe que no texto eu chamo algumas meninas de "putinhas", né?
- Sei. Se quiser, pode me chamar.

Foi a primeira vez que me senti lisonjeada com um apelido desta categoria.

quinta-feira, julho 07, 2011

"Vou casar com essa menina"

Eu tinha visto ela, doida, estabanada e cheia de graça, dando show num bailinho da Cidade Baixa. Aquilo era um sinal - nem tinha idade pra ter tido o Meu Primeiro Gradiente e me mandou uma cassete. Só podia ser um sinal.

Levou uma semana pra o toca-fitas de segunda mão que eu comprei no Mercado Livre chegar. Quem é que tem rádio gravador em casa, pelo amor de Deus?

Na fita, nada de Beatles, nada de Billie Holiday. The Kinks, Billy Preston e Barbra Streisand; no lado B Roberto Carlos e Milton Banana Trio.

Na caixa do cassete, o rabisco de um endereço e um telefone que deviam ser dela. Tocou três vezes:

- Como é que você tem um gravador?
- ...
- É o Sanyo antigo do seu avô?
- Não, é o Meu Primeiro Gradiente - e desligou.

Engraçado.
Peguei um pendrive, abri uma pasta chamada "Maravilhas Contemporâneas" e enchi de coisa nova, de Baiana System a Gaby Amarantos.
Deixei com o porteiro do prédio dela, sem papelzinho algum. Na pasta Maravilhas tinha um arquivo do Word com o meu nome no Skype.

Ela nunca me ligou.

quarta-feira, julho 06, 2011

O gin

Nossa bebida era gin e tônica, mas só quem bebia era eu. Era nossa porque eu bebia apenas quando estava com ele.

Como naquele dia, num café em Madrid:

- Você me preocupa, as vezes. Essa sua agressividade quando bebe.
- Eu não sou agressiva, meu humor é que é afiado e você não entende.

Ele não entendia.

Chegou a garçonete perguntando se queríamos mais café. Eram quatro da tarde de um sábado chuvoso, quase triste.

- Um chocolate quente pro menino e um gin e tônica pra mim. Duplo.

Eu nem queria beber, mas foi irresistível. Ele riu e depois eu ri, me achando mais indomável que o Minotauro.