quinta-feira, julho 23, 2009

Você também repara nas pessoas?

Drummond já perguntava a seu Deus, em um perdido dia do século passado, pra quê que existia tanta perna neste mundo, meu Deus, pra que tanta perna, pernas brancas pretas & amarelas?

Deve ter sido um daqueles ângulos inusitados que a gente descobre quando resolve subir no banco pra tirar uma foto, ou quando de repente o nível de um piso acima fica reto na linha dos olhos e a gente depara um mar de sapatos passeando.

Às vezes eu fico olhando as criaturas e brincando de Sherlock Holmes. Li numa história que ele viu calos nos pulsos de uma moça, fitou seu nariz e olhos e já foi adivinhando, qual uma bruxa morena da Andaluzia, que ela era secretária, mãe, precisava usar óculos mas não usava por se achar feia com eles etc...

Então eu vejo que uma menina muito linda e arrumadinha segura um relatório de estágio de uma faculdade de engenharia elétrica; um senhor de roupa esfarrapada lê céline na fila do sus; minha colega que gasta sua beleza trabalhando numa loja de departamentos anuncia que em 15 dias será fotógrafa em Portugal.

Essas surpresas que arrebatam a ordem hermética dos meus pensamentos são o máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo do máximo.

quinta-feira, julho 09, 2009

A vida, essa caixinha

Que ninguém me inclua em teorias da conspiração caso eu caia dura amanhã, mas gosto de falar que uma vida curta vale mais do que uma longa, desde que seja bem vivida. Não é campanha contra nada: continuo querendo que vocês façam planos, fiquem ricos, procriem muito e morram velhinhos.

Mas eu fico pensando.

Já que ninguém sabe o dia de amanhã, e a minha parca matemática me impede de fazer planos de vida que ao mesmo tempo incluam pensar muito no futuro + viver muito o presente, a solução é viver muito o presente e pensar no futuro só como uma coisa que talvez dê certo.

Manuel Bandeira passou a vida tentando tratar uma suposta tuberculose, e por achar que morreria aos vinte, não casou aos trinta, não teve filhos aos quarenta, aos setenta sequer tinha feito algo perigoso. Viveu mais de oitenta anos sonhando com o rei, a cama e as prostitutas da idílica Pasárgada. Ninguém merece uma coisa dessas.

Claro que ninguém merece também ser um tipo destrutivo Raul Seixas que, à parte os bons frutos que sua lisergia seminou, foi um talento destruído pelo excesso dos entorpecentes conhecidos e desconhecidos. Como Bandeira, tenho minhas dúvidas se este conseguiu curtir sua estadia no planeta.

Tem aqueles que dosam a vida do jeito que ela quer: se formam, juntam dinheiro, se casam, perpetuam a espécie e, do nada, o Airbus que levava a família para um verão em Paris vira um parafuso no ar e lança pessoas aos pedaços em pleno oceano.

A vida não tem mesmo explicação. Mas eu conheci gente que se pela de medo quando pensa em envelhecer com alguma daquelas terríveis doenças senis. Será que para estes o perfeito é morrer tragicamente? Aos quarenta, descendo a ribanceira num conversível?

Uma vez eu vi um coelho morto atropelado, todo esbagaçado e pensei: como a vida é frágil, é só essa caixinha. Uma caixinha de costelas.