quinta-feira, abril 26, 2007


Dia de festa,
uma grade por minha conta!




O La vie en close foi premiado com o Thinking Blogger Awards!
Quem me colocou na roda foi a Anäis, que mantém um blog encantador - registre-se aqui a primeira menção honrosa. A proposta é o blogueiro enumerar cinco blogs que o "façam pensar". É muito difícil escolher só cinco depois que se conhece tantos blogs tão bons, mas aí vão, em ordem alfabética (por falta de outra), cinco amostras da maravilha que andei descobrindo:

Alessandra Alves: A Alessandra é a minha madrinha de blog, foi através dela que descobri a boa literatura que também alimenta a rede, que comentar um texto inaugura a possibilidade de trocas imediatas de idéias, iguala escritores e leitores a usuários que interagem e multiplicam discussões e conhecimentos... isso é legal demais! Sigo ainda guiada por ela.

Caralha Quatro: Quatro amigos se juntam para expôr artes curtinhas e textos muito interessantes. Nesse eu sou viciada: acesso diarimente para checar as charges de Marcelo sobre o universo soteropolitano; as lindas fotos de Thiago e também as de Ricardo, que fala agora direto de Buenos Aires; os textos, às vezes pescados de blogs alheios, mas tão interessantes quanto os seus próprios, de Irene, e o que vier.

carapuceiro: Foi através da Fugu (próxima da lista) que conheci o Xicoooo (é a ênfaseeee). Xico Sá é um mal diagramado com alma de bom menino. Muito do que escreve é auto biográfico, bem humorado e sentimental, suas crônicas são cheias de referências apaixonadas do que viu, do que leu e das mulheres que conheceu. Tem um monte de livros publicados e uma editora, do Bispo. Recentemente atravessamos a virtualidade, quando ele aportou em Salvador e tomamos umas, ôôô encontro que urge por repeteco. Sou fã mesmo!

Fruit de la passion: Procurando "tratamento científico" para uma questão que pegava fogo aqui na redação, recorri ao oráculo google, digitando palavras-chave que me levaram a um pequenino blog onde havia, entre muitos links, o lindo nome "Fruit de la passion". Que suave! Cliquei e me deparei com um desbunde literário, a coisa mais delicada do universo, textos de uma mulher madura que, sob o singelo pseudônimo de Fugu F (sendo Fugu M seu par) escreve sobre erótica feminina e gastronomia, como ela mesma define. Confira!

Hotel Hell: O que sei sobre o Joca Reiners Terron é muito pouco, me sopra agora um amigo que ele vive de traduções e faz design. Só sei que ele escreve muito! Em seu blog, ele publica, entre textos de outros autores, poemas e textos de sua autoria - entre tantos destaco um, o relato maravilhoso da trombada com um poeta de quem é fã. Vale muitíssimo a pena conferir.

Quem quiser indicar outro blog bom que conhece ou propagar o seu próprio, eis aqui uma caixa de comentários doida pra se ver cheia de links - como se as outras caixas aqui abertas não estivessem dispostas pro mesmo!

terça-feira, abril 24, 2007


Dor de cabeça é um troço lancinante que acaba com a paixão pela vida de qualquer mortal, daí eu hoje começar a pensar na relatividade das vontades: como se relacionam com o humor da gente!
Em uma noite fértil, de insônia proveitosa, posso ficar de virote pela madrugada a inventar tabelas, revolucionar meus horários, colocar tudo no papel, planejar minhas viagens, minhas finanças, ansiar pelo dia novo que já raia com a melhor das expectativas.
Mas basta um segundo de descuido para que Morfeu, o deus grego dos sonhos, me agarre, esculpa em mim a maior cara de sono e me confira o pior desejo de cama quando não me resta nem quinze minutos mais.
Bueno, daí é só me preparar: tomar um café forte, jogar água gelada no rosto, inventar arte pra não me escorar pelos cantos e esperar pelo fim do dia, maldizendo a hora em que fiz planos nada sólidos que se desmancham com meus humores!

terça-feira, abril 17, 2007

Priminha diabinha

Era novidade porque ela estava esperando o almoço na mesa junto com os adultos. A avó encheu o seu pratinho com uma gororoba esquisita e ela não reclamou, acho que no mundinho dela ainda não existia isso de protestar pela comida que se deseja. Pegou um garfo - estavam todos conversando - e pôs-se a misturar e esmagar a comida, sem sequer provar.
Eu só assistia à cena, eu era uma intrusa. Achava lindo tudo o que aquele anteprojeto de gente fazia. Tinha três anos e falava que nem gente grande. Parecia mais uma amostra de diabinho do que um anjo, e por isso mesmo era a coisa mais bonita e gostosa do universo.
De repente, alguém da mesa berra: "Quero ver você raspar esse prato logo, menina!".
Fiquei admirando o poder ultrajovem. Melindrosa, fez que ia comer e voltou a amassar a comidinha, sem a menor intenção de pôr uma garfada na boca.
Perguntei discretamente: "Você não está com fome?" e ela disse: "Eu não gosto de bacalhau não".
Foi o suficiente pra eu sentir a Madre Teresa soprar a humanidade do mundo em meu ouvido. Recorri a psicologiazinhas baratas e aos extremos de como eu mesma fui criada, exatamente ao contrário, à base do “não quer, não come, mas só tem isso”.
Então me virei para ela:
- O que você quer comer?
- Feijão com purê.
- Só?
- Só.
- Você gosta mesmo? E vai comer tudo mesmo?
- Vou.
Peguei um pratinho e implorei: “Deixa, tia, ela gosta de feijão e purê. Põe só um pouquinho. Ela vai comer”.
Ouvi vários muxoxos: “Ela faz isso todo dia, não vai comer nadinha”.
- Oh, vai sim – respondi.
Adivinhem?
Esqueci o diabinho por dois minutos e quando olhei, lá estava ela a inventar uma pasta goguenta, furando os grãos de feijão com os dedinhos.
- Sua moleca, não disse que ia comer?
Não me respondeu.
Alguém berrou que ela fosse perturbar outra freguesia, que significava almoçar na casa da mãe, pertinho dali.

*

Meu avô começou a contar uma história de quando teve que olhar os filhos malcriados de um amigo. Chegou na casa dele na hora do almoço e assitiu à bárbarie, pai e mãe se descabelando para alimentar quatro ferinhas - uma escadinha onde o maior tinha seis anos.
Virou-se tranquilamente para o amigo e perguntou:
- Fulano, você não tinha que comprar alguma coisa no mercado?
- Sim, eu...
- Pois então vá e leve sua senhora, que eu fico aqui olhando as crianças.
O casal saiu, bastante agradecido, e meu avô esperou eles baterem a porta para começar a sua psicologia.
Tirou o cinto e surrou a mesa de madeira, que fez um barulho estrondoso. Disse apenas: “Quero quatro pratos limpos agora.”
Em menos de cinco minutos surgiu tanto apetite que as tigelinhas de metal reluziam de tão limpas.
Os pais, quando chegaram, ficaram incrédulos, maravilhados: “Puxa, que coisa fantástica, nem Deus pra alimentar essas pestinhas”.
“Naquele tempo em que não tinha essa coisa de direitos humanos era mais fácil educar as crianças”, terminou vovô, com essa pérola.

quarta-feira, abril 11, 2007



Coisas que acontecem

Ela pensava sem medo sobre o fato de caminhar sozinha e desarmada numa rua tão deserta e escura. Sofrera tentativas e assaltos à vera naquele mesmo lugar mas não carregou trauma. Se sentia uma escolada que sem drama aprendeu o que pôde - a não vacilar, a andar pelo meio da rua, a cumprimentar os porteiros dos prédios no caminho, essas coisas. No fundo se achava mesmo mulher muito valente.
Foram os pequeninos riscos da vida que ensinaram a ela uma maneira interessante de contornar o temor. Tomava máximas precauções, mas sem jamais violar sua liberdade - e seu conceito da própria liberdade era um negócio bem amplo. Cuidava, por exemplo, de checar muito bem o equipamento de bungee jump antes de saltar. Depois, tremendo na hora H, buscaria razão pra se lembrar de que havia checado e que tinha até previsto o medo. Era temer a decolagem e no segundo seguinte lembrar-se de que viu na Discovery que morrem mais pessoas atropeladas por carroças do que em quedas de avião. Coisas assim.
Então ela pensava sobre essa sua falta de medo enquanto caminhava pela rua cheia de prédios e bares fechados próximos à sua casa. Às vezes ia além: aproveitando para pensar em coisas com alguma utilidade, ensaiava por exemplo o que dizer ao ladrão que por ventura a abordasse: “Moço, eu não tenho nada não”, “Hoje não trouxe o celular, juro!”, “Tá, leva, mas deixa o chip...”.
Parou a imaginação na imagem de um revólver apontado para a sua cabeça. O que fazer aí? Fechar os olhos... e não tentar nada, nem um olhar, uma olhadela de bicho acuado? Emocionaria? Seria melhor ou pior? “Um cabra que faz coisa assim não deve se comover facilmente. Deve até se excitar diante do temor de alguém, que nojo. Mas será que eu não tenho um olhar convincente, diferente?”.
De repente, ela viu na esquina do fim da rua alguém dobrar em sua direção. Era longe, mas dava pra ver: homem, negro, magro, boné. Sentiu um pavorzinho e o lado devil da sua consciência soprava que ela tinha medo porque tratava-se de um negro, “Sua racista!”. O lado culpinha falava que ela era uma megera, degenerada e racista mesmo.
À medida que o homem se aproximava, cresciam os pensamentos. “Ele vai me assaltar”. “Ele é um homem comum, porra, trabalhador, tá de mochila”. “Vai me arrastar pro beco e me estuprar”. “Racista, se fosse um homem branco você chamava pra te acompanhar”.
O homem mudou pra o seu lado na calçada. Medo. As concienciazinhas na arquibancada, caladas. Ela lembrou de certas recomendações anti-assalto que lera: não esboce reações, nunca diminua o cerco entre você e o suspeito. “Porra, mas ele ta na minha direção!”. A culpinha, baixinho, ainda alfinetava: “Por que ele é suspeito, se nunca te fez coisa alguma?”.
Mas o temor cresceu tanto que até a culpinha fez silêncio. Ela então mudou de calçada e começou a andar muito depressa; sabia que logo se cruzariam e teria o álibi pra começar a correr.
Assim sucedido, ela desembestou qual Forrest Gump, dando saltos no lugar de passadas e sem olhar para trás. Parou na grande avenida para esperar fechar o sinal dos carros. Ao virar-se, viu que o homem a havia seguido... estava quase a alcançando. Pasma, viu que ele também corria em sua direção!
Em pânico, ela atravessou a avenida quase suicida, sem nem olhar. Sentiu vertigem, corria o mais rápido que podia. Já na calçada do seu prédio, mas ainda na mira do perseguidor, de pernas bambas, ela tropeça e cai no chão. Pensa: “Revólver na cabeça...”
O homem a alcança e oferece a mão pra ela se apoiar. “Machucou?”, pergunta e continua “Toma aqui a chave, menina. Sua mãe deixou na portaria. Sou o porteiro da noite, não lembra? Já ia levando comigo quando te vi e me lembrei, como sou tolo, me desculpe se te assustei.”
Ela passou então a cumprimentar também os porteiros do seu prédio: medida de segurança.

domingo, abril 08, 2007


Viva a pirataria!

Esse é o texto que sairá na próxima edição do jornal Oz Pirataz, pra que venho escrevendo semanalmente. Resolvi estender à blogosfera pra que vocês opinem sobre essa historinha também. Aí vai:

"O Jornal Oz Pirataz, em face da demanda desandada de e-mails e cartinhas cheirosas que vem recebendo de desesperados com o coração em desamor, resolve inaugurar um espaço esporádico para exposição das histórias mais amor-tíferas.
A pirata Joana promete desfiar uma amostra do manejo que adquiriu na arte de alcovitar. Ela convida também os demais leitores para que interfiram mandando suas histórias e opinando sobre os destinos desses desassossegados.
Comecemos com o caso de uma jovem que no momento atravessa uma peleja amorosa.
Envie, caro leitor, mensagem contendo o número de uma das alternativas - (1), (2) ou (3) - acompanhada de comentário ou não para o endereço ozpirataz@yahoo.com.br. Divulgação de resultado e resposta correta na próxima edição.
Então, foi assim:

(1). ele pediu à prima serelepe dela que os apresentasse. ele insistiu o que um garoto comum tem que insistir normalmente e conseguiu sem maiores delongas um beijo. foi um beijo normal e os dois pareciam ter gostado. passaram o resto da noite a conversar besteiras de quem não se conhece e ainda é cheio de vergonhinhas. trocaram telefones, te ligo, ele disse. ligou uma vez e como deu na caixa, não tentou mais. nem ela.

(2). ela resolvera sair após um penoso período de resguardo, durante o qual perdera a vontade de noitadas, principalmente se fosse pra conhecer um cafa como o que acabara de lhe abandonar. vestiu-se sóbria e bela e saiu com a prima serelepe. as duas atraíram dois, que começaram um papo deveras interessante. animada, ela tomou uns gorós e solicitou um beijo ao seu, que prontamente forneceu. fim de noite, pediu o telefone dele. ligaria todos os dias de duas semanas seguidas, apaixonada que estava.

(3). tanto ele insistiu que ela lhe deu um beijo. um beijo pêco e sem vontade, mas um beijo - e ele se apaixonou. daí para o fim da noite, ele foi de zero a cem numa escala de paixonite mais veloz que uma ferrari. prestes a dormir - estavam hospedados ele, ela e prima serelepe na mesma casa - ele grudou em um de seus pezinhos e anunciou que não desgrudaria até ganhar novo beijo. estava apaixonado, mas ela de saco cheio. ele dormiu chorando aos pés de sua amada. acredita até hoje que ela é o amor de sua vida."

quarta-feira, abril 04, 2007

Prosa ruim tirada de uma notícia de jornal

João Gostoso acordou, levantou e tomou banho e café sem escovar os dentes. Sentou na esteira enrolada e botou no colo o livro grosso que apóia os papéis soltos que virariam um romance peba - ele não é muito afeito a cadernos, a essas montanhas de papel grudado que apressam as gentes quando se demora demais a gastá-los. Escreveu meia página e se sentiu um gênio. Olhou na janela um dia corado e abafado, mas não se animou e repetiu desculpinhas de jovem gótico anti sol pra não sair de casa. Gostava mesmo de ficar a fazer inutilidades solitárias, as quais não vale a pena enumerar. Então atendeu o telefone que tocara quatro vezes com uma voz irritada. Era uma guapa jovem gótica e anti sol como ele. Contava que saíra noite passada pra beber e estava mal, muito mal. Aprontara algumas e alguns aprontaram com ela. Preciso te ver, amigo, disse, desligando. Foi o ânimo possível que o fez vestir-se para ir à casa dela. No caminho, escutou o canto nada gregoriano sair de uma igreja da sua rua que ocupava o lugar da saudosa Choperia Boemia. Entrou. Foi abduzido, nunca mais voltou.

domingo, abril 01, 2007


Parada no ponto

No ônibus, minha Nina Simone sopradora de assombros, incorporadora de erês cantantes, de suplícios saídos da catacumba da aldeia africana mais esquecida, me afastava da conversa de comadres ao fundo e do toque incômodo do pacote pontudo do distraído em pé ao meu lado.
Porra, não me afastava tanto assim. O pacote e agora a barriga do seu dono egoísta afundavam contra meu ombrinho descoberto. Mau dia o meu, o azar é dele: lancei minha maldição da mirada que fuzilaria um cabra no paredón - "foda-se, porque você não senta, hein? um lugar aí do lado e você se escorando em mim" - e, alvejado, ele sentou-se no ato, a dias-luz do meu mau-humor.
Ônibus é um belo laboratório, diria um professor de teatro ou um analista. Dezenas de anônimos partilhando o mesmo ar e pequenas grosserias, menores ainda gentilezas, boa noites mal ditos. Cobrador que alisa a sua mão ao apanhar o dinheiro, o que fazer mocinha? Atriz, você pode fingir gostar ou pode armar um escândalo; paciente de analista, pode sentar-se ao lado de um solitário para contar ou ouvir...
E que doçura de inconveniência se é um velhinho simpático quem puxa papo no assento ao lado? É de se fazer questão de inventar paciência. Noutro dia foi um cantor, um Ibrahim do samba que entoava só pra mim o Nelson Cavaquinho marlindo do mundo.
[E Nina, numa nostalgia impossível, a me carregar para longe o pensamento - êta vontade de saber cantar, de dar vez a essas vozes bêbedas que gritam da minha superpovoada mente e triste tristinha alma blues!]
Hora quase sempre oportuna, essa do ônibus; a minha pela religiosa longa espera. Tempo de planejar, voltar a fita das pendências de pensamento ou furtar uma graça na memória pra rir sozinho, feito maluco. Quem tem culpa da demora? Melhor é roubá-la e usar como der, amigo, como diz um poema de que só lembro a idéia: esperando é que a gente vê que, afinal, essa pobre vida não é tão curta quanto parece.
E já que a espera é grátis, como os dez por cento a mais de salgadinho-chocolate-refrigerante que, diz o pacote, é de presente, custou nada, aproveite! A espera no busú é oportunidade, uma espécie de refúgio pra abrigar pequenas pensatas e inspirações; o limbo de entre-tarefas, preciosos minutinhos que a gente deixa o dia-a-dia carregar na maior moleza.
Fome ou gula fantasiavam o capuccino com salgado ignoto de logo mais muito mais gostosos do que seriam realmente - prazer raro esse escondido na fome, quando se sabe saciá-la em breve, claro.
Desci no ponto da minha faculdade. Na cantina, quis acordar as papilas com um ardil, uma pimenta atrevida, coisa rara na minha comida - mais vale como provocação, um adorno pro dia morno de uma chica valente e de bom coração.